quarta-feira, 11 de outubro de 2006

DEMOCRACIA E PREPOTÊNCIA

Estão muito agitadas as águas no sector da Educação. O Governo apresentou uma proposta de revisão do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Docentes dos Ensinos Básico e Secundário (ECD) draconiana e castradora da carreira destes profissionais.

Tão importante como o conteúdo é a forma como tudo foi e está a ser feito. A proposta, que deveria ser apresentada em Março, apenas o foi em Junho. Em paralelo, e ao arrepio do quadro legal vigente, foi imposto unilateralmente aos sindicatos uma ordem de trabalhos e um calendário negocial apertado com a nítida intenção de resolver tudo até ao final do mês de Outubro (com as férias de permeio) e de tentar vergar os professores e os seus representantes à política do facto consumado.

Ora se nos lembramos que o actual ECD, na sua anterior revisão, levou cerca de dois anos lectivos a ser negociado (curiosamente por um governo socialista) esta pressa está na base da negação do próprio processo negocial. É que, para além de poucas reuniões terem sido agendadas, as mesmas têm decorrido da pior forma possível, não havendo condições efectivas para um debate sério, profundo e edificador de uma proposta tendencialmente consensual.

Não são efectivas reuniões de negociação com debate aceso e tentativas de aproximação entre as duas partes, mas antes monólogos e performances melodramáticas de entretenimento dos sindicatos à espera que o tempo passe. O Governo, por intermédio do secretário de Estado Adjunto e da Educação, permanece inamovível nas suas posições e claramente acantonado em torno de uma proposta que, longe da retórica do mérito, pretende exclusivamente ajudar a resolver um problema orçamental, do lado da despesa, à custa dos salários e da carreira dos professores.

Não se cansam o senhor Primeiro-Ministro e a senhora ministra da Educação de apregoar, aos quatro ventos, que os professores “não são avaliados” que, com esta proposta de ECD, o “mérito será premiado” ou ainda que os professores portugueses estão no top dos vencimentos a nível dos países da OCDE (quando tal afirmação não resiste a um estudo comparativo).

Ora, com a influência crescente que este Governo tem nos “media” torna-se natural que esta mentira, repetida bastas vezes, se tenda a transformar numa verdade até porque, a maioria dos cidadãos, desconhecendo as especificidades da carreira docente, poderá acreditar no canto da sereia. Porém, entre o discurso oficial e a verdade dos factos vai um longo e intransponível caminho.

A realidade é bem diferente. A proposta de ECD tem um único e inconfessável objectivo: poupar dinheiro à custa do salário e da carreira dos professores!

Senão vejamos: propõe-se desmembrar a actual carreira em duas “categorias” (que serão, na prática, duas carreiras) uma primeira, a de “professor”; e uma segunda, de topo, a de “titular”, para cargos de coordenação e à qual só ascenderá uma ínfima minoria dos docentes, até porque ela será contingentada através de despacho conjunto do Governo, ou seja, será baseada em critérios de natureza económica.

Assim sendo, está bem de ver que a intenção é única e exclusivamente impedir os profissionais de ascenderem na carreira e a retórica do “mérito” é apenas uma forma ardilosa de o alcançar. O mérito que é, em si mesmo, um valor absoluto, transforma-se aqui num valor relativo já que este dependerá de “numerus clausus”, ou seja, professores que estarão em condições, em virtude da sua performance pedagógica e profissional, de ascender na carreira serão travados em virtude da contingentação.

Escusado será dizer que esta pseudo-negociação está a gerar um mau estar crescente nas salas dos professores e, se dúvidas existissem, a expressão da manifestação do passado dia 5 de Outubro fê-las dissipar por completo.

Importa talvez debruçarmo-nos aqui sobre a referida demonstração de descontentamento e que reuniu em Lisboa para cima de 25 mil profissionais naquela que foi a maior “marcha” de professores desde o 25 de Abril e em que os professores marcharam unidos, avenida abaixo, sem bandeiras de nenhum sindicato.

Curiosamente, o mérito da “Marcha pela Educação” não foi dos sindicatos nem sequer dos professores. O seu a seu dono: o mérito pelo sucesso da manifestação vai inteirinho para o Governo. Não foram uma proposta de ECD vergonhosa, as tentativas de intoxicação da opinião pública, a negação de um processo negocial ou o achincalhamento permanente dos profissionais e dos seus representantes e os docentes não teriam descido ao centro de Lisboa, num feriado nacional em número tão significativo.

O Governo tem, de igual modo, o mérito de conseguir unir numa única plataforma negocial, contra a sua política educacional, a sua proposta de ECD e a hostilização da classe, todos os sindicatos de professores que, normalmente, têm visões distintas sobre as políticas de ensino. Ou seja, conseguiu o impensável: unir sindicatos da CGTP, da UGT e Independentes e dirigentes sindicais com militância partidária que vai desde o Bloco de Esquerda ao CDS/PP, contando mesmo com muitos socialistas.

Como se ganham os professores para a mudança quando se pretende impor um ECD desta forma e quando se tenta, de modo sistemático, menorizar os docentes? Será que ninguém, no Governo deste país, se apercebe de que nada poderá efectivamente mudar sem se conquistar os profissionais para as mudanças?

É por isso que os professores portugueses não aceitam nem o conteúdo nem a forma desta proposta de ECD. Por esse motivo estão todos unidos em luta pela sua dignidade profissional, pela negociação e contra a imposição. Quando estas linhas forem publicadas estará prestes a decorrer uma reunião crucial entre os sindicatos e o Governo. Esperemos que a luz da razão prevaleça e o Governo possa arrepiar caminho, já que se antevê que a luta dos profissionais seja longa e intensa.

Mas o que dizer da atitude política do Governo neste como noutros sectores? Pela primeira vez desde o 25 de Abril, os portugueses estão perplexos e confrontados com um paradoxo perigoso: o de um país democrático com um Governo prepotente!

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