terça-feira, 8 de março de 2005

LEIRIA E O PSD - SEMPER FIDELIS

o

As eleições do passado dia 20 de Fevereiro vieram mostrar à evidência algo que já antes se sabia: Leiria é, entre os distrititos do Continente, o mais laranja.

De resto foi o único onde o PSD bateu o PS em percentagem e em número de deputados eleitos.

Este artigo da Revista "Pública" procura esclarecer os motivos da adesão popular desse distrito ao PSD.

Leiria, o único distrito do país com maioria PSD (in Pública , Público nº 5461 Domingo, 6 de Março de 2005)
Paulo Moura
Em todo o país continental houve uma mudança no voto que deu a maioria absoluta ao Ps. Em todo o país, não. O distrito de Leiria manteve-se fiel ao PSD. Porquê? Porque foi o primeiro partido a ser implantado, por personalidades ligadas ao antigo regime e à Igreja? Porque há, na região, uma mentalidade individualista e empreendedora? Porque o distrito tem sobrevivido à crise? Porque os autarcas são verdadeiros heróis? Porque os Fenícios andaram por aqui? José Ferreira Soares, 59 anos, camionista, conhecido na aldeia da Bajouca como o Zé Melro, desenhou o brasão e a bandeira da freguesia e o monumento ao oleiro, na praça principal, com arcobotantes aparando painéis de azulejos com cenas da vida dos oleiros tradicionais e um grande cântaro no topo. Construiu um gigantesco e moderno pavilhão polidesportivo, uma piscina, dois courts de ténis, um campo de futebol, um centro de dia, um centro de Saúde, uma associação recreativa, uma sede dos escuteiros, uma cantina para as crianças da escola, uma sede para o PSD... José Soares, conhecido como "o Melro", salvou também o país da ditadura comunista. "O doutor Tomás telefonou-me às duas horas da tarde do dia 25 de Novembro de 1975. Eu estava a trabalhar, larguei tudo". José Soares conta isto no edifício da Junta de Freguesia, de que é presidente, situada ao lado à Igreja, na Rua Voluntários do 25 de Novembro. No painel comemorativo da data mais importante da História da Bajouca, dois conjuntos de azulejos representam a população da aldeia manifestando-se junto à base aérea de Monte Real, erguendo ameaçadoras forquilhas. "Eu devia-lhe muito, ao doutor Tomás. Foi por causa dele que entrei para a política. Ele telefonou às duas, às duas e meia já eu estava na base aérea com o camião cheio de pessoas. Deixei-as lá e voltei à aldeia, para buscar mais. Toquei os sinos a rebate, toda a gente correu para aqui". Os pára-quedistas amotinados de Tancos tinham tomado a base de Monte Real, apoiados pela Polícia Militar, o Regimento de Artillharia de Lisboa e militantes da LUAR, FSP, MES e PRP, no golpe de extrema-esquerda que viria a ser abortado, pondo fim aos meses do delírio pós-revolucionário. Foi Tomás Oliveira Dias, membro da "ala liberal" da Assembleia Nacional do antigo regime e fundador do PSD no distrito de Leiria, quem teve a ideia de mobilizar para Monte Real o povo da Bajouca. Segundo ele, a fúria "espontânea" da população da aldeia terá sido decisiva para fazer render os "páras". "Eu estive horas ao megafone, para convencer os pára-quedistas a renderem-se. Fizeram-no às cinco da manhã", conta Tomás Oliveira Dias, no bar do hotel Eurosol, em cuja garagem, em Junho de 1974, Sá Carneiro fez o seu primeiro comício. "Tudo começou quando recebi o telefonema de uma senhora dizendo: "o meu marido é o comandante da base de Monte Real, e está cercado lá dentro... O senhor não poderia fazer alguma coisa? Organizar uma manifestação?" Eu lembrei-me da Bajouca e telefonei ao Magalhães Mota, em Lisboa, que me disse: "Ande para a frente". Às duas da tarde liguei ao presidente da Junta. Os sinos tocaram a rebate e em meia hora milhares de pessoas partiram para a base, para se oporem à manifestação esquerdista que já là estava, de apoio aos revoltosos, que se desmobilizou, sem violência". José Soares lembra-se, aliás, de como o primeiro camião de bajouquenses se juntou à manifestação de esquerda, enquanto ele ia à aldeia buscar os outros. "Não é aí! Esses são os comunistas!", gritou ele aos entusiásticos camponeses que já agitavam as forquilhas ao lado das Brigadas Revolucionárias. E o rumo do país mudou, nesse dia. José Soares é militante do PSD desde a sua fundação. De certa maneira, até mesmo antes disso. Quando, em 1969, fundou em Bajouca o Grupo Alegre e Unido, uma colectividade onde se praticava futebol e teatro, já colaborava com Tomás Oliveira Dias na Acção Nacional Popular, para onde entrara, logo depois da tropa. "Eu sempre quis participar, fazer alguma coisa pela minha terra. Comecei a trabalhar com homens sérios e empenhados como o doutor Tomás. E quando esses homens, depois do 25 de Abril, criaram o PSD, eu continuei com eles". Desde essa altura, em que Bajouca, apesar de estar a 25 quilómetros de Leiria, era uma povoação pobre e isolada, com casebres dispersos e nenhuma rua asfaltada, o PSD ganha todas as eleições na freguesia. Hoje, todas as casas são novas e espaçosas. Algumas, autênticos palacetes de estilo muito próprio, cheios de colunas romanas e alpendres iluminados. Há muitas ruas asfaltadas, uma igreja imponente e infra-estruturas colectivas dignas de um rico subúrbio europeu. Na estrada principal, passam a toda a velocidade pick-ups "tunning" todo-o-terreno de jantes reluzentes e vidros fumados, abafando por momentos o cacarejar dos galos e o grunhir dos porcos. Tudo foi construído através de várias parcerias mas sempre com o financiamento maioritário da população e a iniciativa de José Soares, que é presidente da Junta desde 1983. Aparentemente, os habitantes de Bajouca não têm razões para mudar de partido, e, nestas eleições, o PSD voltou a ganhar, sensivelmente com a mesma vantagem de sempre: 940 votos, contra 122 do PS e 190 do CDS. A única novidade foram os 31 votos do Bloco de Esquerda, já que a CDU manteve os sete que tem desde há 15 anos. "As pessoas aqui pensam desta maneira: o Santana Lopes não teve tempo para mostrar o que valia. As pessoas acharam que a atitude do Presidente da República não foi séria. E lembram-se de que o Guterres fugiu. São estas coisas que as pessoas conversam no café, numa lógica muito simples mas muito prática". Claro que José Soares lhes dá uma ajuda. "Este ano nem andei na campanha, levando as pessoas aos comícios no camião, para não me acusarem de nada. Mas as pessoas vinham ter comigo, ou telefonavam, perguntando a minha opinião. "Ouça lá, então mas este [Santana Lopes] é um malandro, não é? Vamos votar nele?" E eu respondia apenas: "Não há razão para mudar. Porque não vejo melhor do outro lado". E as pessoas confiam em mim, claro, porque sabem que trabalho para elas há todos estes anos". Mas será apenas a confiança pessoal? "A religião não é, porque toda a gente sabe que o pároco daqui é simpatizante do PS". E também não será o isolamento e a ruralidade, já que "a maior parte dos habitantes da aldeia trabalha em Leiria, Pombal ou Figueira da Foz. Quase todos na construção civil, embora cultivem sempre um pequeno quintal e tenham porcos e outros animais, nuns terrenos afastados da casa". "Nesta região, a confiança pessoal é importante", insiste José Soares. É uma rede de cumplicidades que permite que as obras avancem e que o liga aos seus conterrâneos da Bajouca e aos seus superiores na hierarquia profissional, como o seu patrão, Pedro Faria, dono da SIVAL, partidária, como o "pai fundador" Tomás Oliveira Dias, autárquica, como a Presidente da Câmara, Isabel Damasceno, "que nasceu em berço de ouro mas sabe descer à aldeia". Por cima da cabeça de José Soares, na sala principal da Junta de Bajouca, estão pendurados os retratos oficiais do Presidente da República, Jorge Sampaio, da Presidente da Câmara, Isabel Damasceno, e do pai desta, José Damasceno Campos, que foi governador civil de Leiria antes do 25 de Abril. Tomás Oliveira Dias diz-se católico e social-democrata. É presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz, pertenceu à ala liberal do marcelismo e, depois da revolução, à Assembleia Constituinte. Em 1974, com José Ferreira Júnior, que trabalhara no CEUD, fundou o PSD de Leiria. "O lançamento do partido foi feito em profundidade, antecipando-se a qualquer outro", diz, para explicar a sólida implantação do PSD em Leiria, até hoje. Os seus protagonistas eram personalidades já conhecidas no distrito, que tinham ligações à Igreja e colaborado com o anterior regime e garantiam, por isso, uma espécie de transição segura para a nova situação, num distrito caracterizado pelo conservadorismo, a religiosidade e o medo da mudança. Foi como se, com a cumplicidade tácita das populações, a mesma família de dirigentes tivesse atravessado incólume a revolução, transformando o PSD no novo partido único. Tomás Oliveira Dias era amigo de José Damasceno Campos, Governador Civil antes de 1974 e provedor da Santa Casa da Misericórdia antes e depois de 1974. Este era pai da actual Presidente da Câmara, Isabel Damasceno, e amigo do anterior autarca, Lemos Proença, que por sua vez era membro da ANP e presidente da EDP antes de 1974. Segundo Tomás Oliveira Dias, a semente da criação do PSD na região era, portanto, boa. Mas a terra onde foi lançada também não deixava de ser propícia. "Há, no distrito de Leiria, mais prosperidade e menos desemprego do que a média nacional. As pessoas são empreendedoras, é uma região de fraca proletarização. Aqui, o operário tem sempre um outro trabalho. O quintal, um ou dois porcos. É sempre um pequeno proprietário. É a região da microempresa. É por isso que é o distrito do país onde há menos exclusão social". Com a excepção de áreas de características específicas, como a Marinha Grande, com um forte operariado, ou Peniche, com a indústria em crise das pescas e conservas, ou Caldas da Rainha, mais próxima de Lisboa, há alguma uniformidade económica, social e cultural no distrito. A predominância das pequenas e médias empresas, a forte ruralidade, ainda que recentemente enriquecida, o poder da religião católica. São estes traços que Tomás Oliveira Dias considera o "terreno fértil" para a implantação do PSD. O PS, segundo ele, não teve o mesmo espírito pioneiro, e por isso nunca mais conseguiu recuperar o tempo perdido. Mas também porque os leirienses nunca lhe perdoaram o ter-se auto-definido como marxista. "Foi uma espécie de pecado original, que as pessoas nunca esqueceram", explica o "pai fundador" do PSD, tornando claro que, para muitos leirienses, ser marxista é "pecado". Não para ele que, desiludido com Santana Lopes e a viragem à direita do partido, apoiou o PS nestas eleições legislativas. "Não é rebelde quem quer, mas apenas quem pode", explica Ricardo Vieira, sociólogo e antropólogo, professor na Escola Superior de Educação de Leiria. "Mudar não é para toda a gente", acrescenta, para manifestar discordância com a expressão "resistência à mudança" dos leirienses. "Resistir já implica algo de activo, de consciente. Trata-se antes de medo do novo, do desconhecido". É a característica predominante do mundo rural: a intocabilidade da ordem instituída. Actua a religião, já não através da pressão primária dos padres nas igrejas, mas como "ideologia da manutenção da ordem". Mas actua também o "clubismo", o decisão irracional de se pertencer a um partido, como se pertence a um clube de futebol. É outra das características do mundo rural, que no fundo é a mesma: acreditar, em vez de explicar. Ricardo Vieira, dinamizador de um projecto colectivo de investigação sobre as "identidades" na região de Leiria, pensa que existem certas "bandeiras identitárias" na região de Leiria. A importância da religião, o facto de ser uma zona rica, empreendedora, o individualismo, a forte ascensão social, o reconhecimento de uma elite política que se confunde com a elite económica, são algumas dessas "bandeiras". Agora, e olhando para o mapa dos resultados das eleições legislativas, Ricardo Vieira reconhece uma outra "bandeira identitária": o PSD. Curiosamente, confirma as linhas de fractura geográfica que vinha observando: a região, sob o ponto de vista identitário, não inclui zonas do distrito como Caldas da Rainha ou Bombarral, e inclui outras que estão fora do distrito, como Fátima e Ourém. Ou seja, o mapa da região "ideológica" corresponde mais à diocese de Leiria-Fátima do que ao distrito de Leiria. Talvez seja do frio, mas parece haver algo de inerte e errante na noite de Leiria. Algo de vazio, mesmo quando, ao sábado, estão repletos os bares da cidade antiga e do "terreiro". É uma noite furtiva, onde a única presença veemente, apesar de irreal, é a do sempre iluminado castelo, que se vê de todo o lado, musical e esfíngico, como se pertencesse a outro mundo. O Anúbis, o Ozono, o Sebentas e o Filipes, cujo dono se queixa do exagerado zelo da polícia em mandar todos para casa às duas da manhã, são os bares mais frequentados da praça a que chamam o "terreiro", por ter sido em tempos o terreiro dos nobres. Abriram em antigos e donairosos palácios senhoriais, e conferem à vida nocturna uma atmosfera de incómoda ilicitude, de usurpação. São os antros da juventude "urbana" de Leiria, constituída maioritariamente pelos estudantes do Instituto Politécnico, que são, na sua maioria, oriundos de outras regiões do país. Os "rurais", esses, não vêm aqui. Preferem os botequins de Vieira de Leiria, ou as grandes discotecas como o Império Romano, na Marinha Grande, decorada com veludos e brocados, colunas e capitéis para que as classes em ascensão fulgurante possam brincar à decadência da civilização. "Em Leiria não há espaços públicos de convívio", queixa-se Pedro Biscaia, professor de História e presidente da Associação para o Desenvolvimento de Leiria (ADLEI). "Se quiser ensinar o meu filho a andar de bicicleta, não há um local". Por outro lado, o enorme e colorido estádio de futebol construído para o Euro 2004 está sempre vazio. "Ninguém é adepto do União de Leiria. A claque do clube é deprimente. Ninguém se identifica com a cidade. Não há espaço público. As pessoas usam a cidade, mas não usufruem dela". Para Pedro Biscaia, simpatizante do PS, esta mentalidade está na origem, por exemplo, do caos arquitectónico do distrito, e de muitos dos seus problemas ambientais. O menor dos quais não será, garante, o dos dejectos dos porcos. Helena Amaro, jornalista do "Diário de Leiria", conta como já quase se tornou "especialista em descargas": é regularmente destacada para fazer a cobertura das "catástrofes" ambientais que ocorrem quando os suinicultores decidem abrir os seus reservatórios de dejectos para o rio Liz, que abastece de água toda a cidade. Isabel Damasceno, presidente da Câmara de Leiria, reconhece e admira o individualismo dos seus munícipes. "As pessoas são muito empreendedoras. Realizam coisas, criam empresas. Desenvolveu-se a indústria, os plásticos, os vidros, os moldes, as cerâmicas, mas não há uma mentalidade de operário. Aqui, a ambição de qualquer operário é ser patrão". Para a presidente da Câmara, esta ascensão social está na origem de um grande espírito competitivo e de uma necessidade de ostentação. "Esta gente precisa de um palco social. Precisa de se mostrar". Mas, explica, é isso que determina o desenvolvimento da região e também o êxito do PSD. O grande número de pequenas e micro-empresas forma um tecido económico que torna as pessoas mais imunes às grandes crises nacionais, como a que atravessamos. Daí, haver menor insatisfação com as políticas do Governo, e um menor voto de protesto, nas eleições. Para Isabel Damasceno, o individualismo e espírito empreendedor são traços de personalidade dos leirienses, que terão talvez origem nas invasões fenícias e que levaram ao desenvolvimento. Não são uma consequência dele. Por isso, não excluem o sentido cívico dos cidadãos. A sociedade civil é, à sua maneira, mais forte em Leiria do que em qualquer outra região. "Há inúmeras associações, clubes, sociedades recreativas. Só no concelho de Leiria há 29 ranchos folclóricos. É verdade que a Igreja contribuiu muito para isto". Pedro Faria, dono da empresa SIVAL, onde trabalha José Soares, de Bajouca, e presidente da Associação Empresarial da Região de Leiria (NERLEI) também atribui o êxito do PSD ao tecido económico e à mentalidade individualista e empreendedora prevalecente na região: "Há uma partilha de interesses por parte de todos os que trabalham numa empresa. Quase não há empresas grandes na região. As pessoas sentem que a empresa lhes diz respeito, e por isso estão mais ligadas à economia." Este espírito, segundo Pedro Faria, que é do PSD, torna os eleitores pragmáticos, escolhendo o partido em função dos seus interesses pessoais, e não de ideologias ou promessas abstractas. É portanto do interesse das pessoas votar no PSD "porque os seus deputados no parlamento têm feito um trabalho mais visível", diz o empresário, embora muita gente em Leiria admita, sob anonimato, que o interesse para os negócios individuais em votar no PSD não se restringe à competência dos parlamentares. "Em Leiria, o PSD é o caminho da ascensão", diz Pedro Biscaia. "Quem quer fazer alguma coisa, ou tem ambições, vai para o PSD." Sob anonimato, muitos falam em corrupção. Mas como não o podem provar, preferem referir-se a uma elite política, empresarial, religiosa e cultural que está ligada desde sempre ao PSD. O exemplo recorrente de uma forma de fazer política em que não há uma separação clara entre o poder partidário e poder económico é o do ex-presidente da Câmara de Leiria Lemos Proença, o homem que tinha, segundo vários dos interlocutores da Pública, como Pedro Biscaia, e Ricardo Vieira, um lema: "Justiça para todos, favores para os amigos". Proença, que conquistou a popularidade quando, antes de 1974 e como presidente da EDP, mandou electrificar a maioria das aldeias do concelho, cumpriu - depois de ter sido saneado, fugido para o Brasil e regressado - quatro mandatos na Câmara de Leiria, dois pelo PSD e dois pelo CDS. O seu consulado viu o boom da construção civil (a "aberração urbanística" que é hoje visível, segundo Pedro Biscaia) e o "triunfo dos porcos". Concedeu inúmeras licenças para a construção civil, sempre sob acusações, que nunca foram provadas, de cobrar uma percentagem - Ricardo Vieira, Pedro Biscaia e José Manuel Silva (que trabalhou com ele) recordam que lhe chamavam o "senhor 10 por cento" -, e para a construção de barracões alegadamente destinados a guardar as alfaias agrícolas, mas na realidade para a criação de porcos. Uma das habilidades de Proença - que a Pública tentou, em vão contactar várias vezes - era a de incluir sempre elementos da oposição nas suas listas e na sua administração, co-responsabilizando-os pelos erros e fracassos da Câmara. Na eleição seguinte, nenhum partido podia legitimamente apresentar-se como alternativa. Um desses oposicionistas chamados a colaborar com Proença foi José Manuel Silva, presidente da Escola Superior de Educação e da Comissão Concelhia do PS em Leiria. Hoje, admite que foi um erro. Mas também que não é fácil ser da oposição, em Leiria. Com as sucessivas vitórias, o PSD foi ocupando todos os cargos (eleitos ou não), nas autarquias, nas instituições, afastando o PS cada vez mais dos círculos do poder. "Um partido quando não ganha, enquista-se. Como não tem capacidade de distribuir benesses, não consegue atrair as pessoas." José Manuel Silva não acusa os governantes locais de corrupção, mas considera que há uma "teia de interesses. Vive-se em torno do poder. E o PS não é visto pelos cidadãos como uma opção segura. Se houvesse reais possibilidades de o poder mudar, aventuravam-se. Se não, têm medo de ficar sozinhos". Alterar o equilíbrio político em Leiria é uma tarefa quase impossível, reconhece o líder socialista. Pelo menos enquanto os dirigentes centrais do PS não vierem em socorro dos locais. "Sozinhos, não conseguimos. Precisaríamos de um empenhamento da direcção do partido. Se os nossos próprios líderes não nos levam a sério, como poderão os eleitores fazê-lo?" Victor Faria, advogado, e mandatário de Jorge Sampaio pelo distrito nas duas eleições presidenciais, explica como as elites em Leiria se constituíram em torno do PSD, e não se renovaram. "A região, que não tem Universidade, foi despojada dos seus intelectuais, durante décadas. Os jovens foram estudar para outros lados, e não voltaram. Com o politécnico e o crescimento industrial, outras pessoas foram atraídas para cá. Mas são desenraizadas." Consolidou-se o "clubismo" do PSD, que funciona através das "fidelidades pessoais". Mas são sempre os mesmos. "Há quatro ou cinco pessoas em que assenta toda a imagem do distrito. E todos, incluindo o PS, fazem tudo para conseguir ter essas pessoas do seu lado. Não há novas elites. É assustador." Tudo se passa como se não houvesse vida fora do PSD. Uma vez, num seminário sobre perspectivas culturais para o século XXI, quando o presidente da ADLEI, Pedro Biscaia, afirmou: "todos somos filhos da revolução francesa", logo um "intelectual" do PSD corrigiu: "Não, eu cá sou filho de Sá Carneiro." Até a professora que dá ginástica aeróbica feminina depois das 10h30 da noite no polidesportivo da Bajouca é militante do PSD e pertence à junta de uma freguesia vizinha. "Estes senhores são da Pública e vieram aqui para perceber por que razão somos do PSD", diz, para as suas 20 alunas, Gabriela Santos ao microfone, ao ritmo da música. "Vieram cá para nos levar para a Quinta das Celebridades. Vamos lá mostrar-lhes por que razão somos extraordinários."

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