domingo, 16 de setembro de 2012

Politeia - πολιτεία


Em jeito de memorando.

Os demónios parecem estar à solta por estes dias. As manifestações de ontem, se bem que integradas num movimento internacional, são demasiado ruidosas para que possam ser pura e simplesmente ignoradas.

Tenho para mim que, se o protesto tem acontecido antes do dia 7 deste mês não teria, nem de perto, nem de longe, esta expressão numérica. Por isso, o anúncio da intenção de alteração da TSU é a questão nuclear e é sobre ela que se tem de actuar sob pena de Portugal não ter chance de redenção.

Mas qual é o "pecado original" desta questão?

Aparentemente, do ponto de vista técnico, parecia ser um ovo de Colombo, senão veja-se:
  • permitiria respeitar o acórdão do Tribunal Constitucional (cortes salariais trabalhadores público Vs. privado);
  • dava resposta a uma das medidas constantes do Memorando de Entendimento - desvalorização fiscal e, por essa via e pelo menos em tese, aumentar a competitividade da economia portuguesa;
  • ao ser extensível aos funcionários públicos resolvia, desde logo, o problema da devolução de um dos dois subsídios que acaba por retornar ao Estado;
  • por último, procede à desvalorização salarial que alguns defendem (e não só necessariamente os chamados neo-liberais) para os países periféricos da zona Euro ao reduzir o salário líquido.
Só que, o problema é que parece ter havido competência técnica a mais mas intuição política a menos.

A política é a arte de administrar a coisa pública e tem de estar no centro da actuação dos poderes públicos e, amiúde, o nosso Partido falha nisso sendo este apenas o episódio mais recente.

A questão do anúncio da intenção de alterar a relação da contribuição trabalhador-empregador na TSU, constitui um erro político grave e, pelo andar da carruagem, se a política continuar a não prevalecer sobre a tecnocracia, temo que se possa tornar num case-study académico.

Em primeiro lugar, pelo simbolismo ideológico que encerra. Acredito que, na mente de quem planeou a medida, isso não tenha sido intencional ou sequer ocorrido mas, na realidade, um dos princípios empíricos da política, é que o que parece é. Ou seja, aos olhos do cidadão comum (onde se inclui também o militante de base do PSD e do CDS) esta medida parece que financia o empregador à custa do rendimento do trabalhador que fica assim mais reduzido. Aos olhos de muitos assemelha-se a uma espécie de Robin Hood invertido.

Em segundo lugar porque, de todos os quadrantes da opinião publicada e de especialistas de Economia, se ergueram as vozes que puseram em causa a eficácia desta medida em termos de criação líquida de emprego e alertaram para os riscos de agravamento da recessão por via de nova diminuição do poder de compra.

Em terceiro lugar porque a desvalorização é generalizada e cega não discriminando positivamente as empresas do sector dos bens e serviços transaccionáveis, antes colocando no mesmo saco estas com as empresas dos sectores protegidos da Economia, algumas actuando inclusivamente em regime monopólio e que acumulam, invariavelmente, lucros interessantes.

Em quarto lugar, porque faz os cidadãos reagirem colericamente contra o Governo, a Troika e o programa de assistência financeira, branqueando, ou pelo menos secundarizando, as responsabilidades do PS na situação a que o país foi conduzido, comprometendo os esforços colectivos e os sacrifícios feitos até ao momento e que estão na base do caso de sucesso do programa português como é reconhecido nacional e internacionalmente. 

Por último, mas não por menos, uma razão que é, a um tempo, política mas também técnica. É que, na realidade esta será uma medida que onerará todos os trabalhadores (em acréscimo à necessária austeridade a que têm estado sujeitos) mas que não contribuirá para a consolidação das contas públicas já que, aquilo que será descontado a mais ao salário do trabalhador, será quase equivalente ao descontado a menos na contribuição do empregador. Na prática, para o trabalhador representa uma nova redução do seu rendimento. Ora, como sabemos todos muito bem, o programa português apesar de estar a correr bem, como provam as avaliações trimestrais, ainda está longe de ter terminado e será necessário pedir novas medidas de austeridade a cidadãos que, por via desta questão da TSU, terão uma redução adicional do seu salário. Ou seja, retiram capacidade de os portugueses poderem suportar mais  austeridade e, acima de tudo, divorciam-nos do Executivo. 

O erro político subjacente é que se corre o risco sério de se comprometer aqueles que todos reconhecemos como sendo os maiores assets do programa português: a coesão política, já que o PS aproveitou o pretexto para, de modo oportunista, se retirar do consenso e a coesão social seja por via da reacção dos Parceiros Sociais signatários do Acordo de Concertação, seja também e sobretudo, por via do descontentamento generalizado dos portugueses bem patente na adesão numérica às manifestações de ontem.

Chegados a este ponto é tempo de conter os danos, deixar a política e o bom-senso imperarem e de salvar o essencial dando espaço à negociação institucional desta questão da TSU na Concertação Social, em nome dos superiores interesses de Portugal esperando que todos, Governo e Parceiros, possam estar de novo à altura das suas responsabilidades num momento tão exigente da nossa História.

Lisboa, 16 de Setembro de 2012



1 comentário:

Jose Carlos Lucas disse...

Sem dúvida uma reflexão racional sobre a actualidade sócio-económica. Porém, a história económica diz-nos que as medidas cegas, mal preparadas e não segmentadas funcionam como uma rajada de metralha sobre uma mole não discriminada. Sobram vítimas, apenas vítimas. A questão essencial é como diminuir os salários líquidos não levando a uma quebra do consumo, pois do poder de compra é inevitável. Todavia, a redução do poder de compra não tem como consequência obrigatória a queda do consumo. As probabilidades de tal acontecer são enormes, mas é possível minimizar a margem de tal facto. Como? Procurando inverter a perspectiva que este executivo tem dos problemas que, acima de tudo exige coragem. Cortar direitos adquiridos e infligir sacrifícios sobre a classe média e baixa, não é um exemplo de coragem mas sim de facilitismo cobarde. Cortar de uma forma rigorosa e cirúrgica os imensos desperdícios do Estado e das empresas públicas tornar-se-ía muito provavelmente o caminho mais adequado para a poupança sem atingir o dinamismo da economia. Taxar um rendimento de 67.000 euros anuais da mesma forma que se o faz sobre um de 500.000 € é algo nefasto e que obviamente beneficia o último, tendo em conta que não se comparam os estratos económicos de ambos. Creio assim, que a estratégia está inquinada desde o início. Tentou-se equilibrar as contas públicas através da receita quando a despesa deveria ter sido a opção mais equilibrada. Porém, tal exigiria a coragem de quebrar lobbies, não abrir excepções e não dar tréguas à evasão fiscal. Seria muito imprudente fazê-lo pois tal implicaria atingir o verdadeiro substrato económico, social e político que mantém este executivo tecnocrata. Obrigado.

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